domingo, 27 de junho de 2010

Poema de um Morto

Estou entre a miséria e a epifania religiosa!

Esta é a epígrafe de todos os meus poemas.

Recuso-me a contar o enleio do meu antigo estado epilético
Ou escrever uma epístola, pois de santo nada tenho.
Se escrevesse uma epopéia daria poucas páginas lastimáveis.
Caso espere um epitáfio, nem morto!
Odeio inscrições, tal como:
"Aqui jaz Fulano, homem íntegro."
Ridículo epíteto!

Porém, escreverei meu próprio epílogo!

Eis o poema.

domingo, 13 de junho de 2010

Santa Lasciva (Sonetos Medievos)

Perguntaste à minha santíssima graça
A razão da infortúnia castidade;
Lhe disse que a amarga serenidade
Consequência é de uma atroz desgraça.

Indignado ficaste com a dita peça.
Ah, nada sabes da história de breve idade.
Cantastes ébrio na mocidade
Enquanto hauriam-me martírios com a mordaça.

Confesso que recôndita volúpia por ti sinto.
Ah, contigo messalina tornar-me-ia
Apesar, após, do demônio do desalento...

Depois misericórdia aos céus eu diria,
E ante teu corpo langüido cantaria o canto
De minha árdua e abençoada melodia

Patrícia Carvalho

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Banquete Antropofágico

Eis o corpo, matéria orgíaca;
A orgia do ser em si próprio.
Toda a abstração do corpo sendo
Comida.
A digestão do eu em si

Apologia dos movimentos primitivos:
Apoteose á carne

O canibalismo entre gritos e sussurros.

Toda a truculência absorvida:
Devorando-se, com fome do que se é
Torna-se alimento de si para-si

O banquete do homem é o homem

Após comer-se, come-se o outro,
Com a mesma truculência, pois
O canibalismo
É a neutralidade do amor

Patrícia Carvalho

terça-feira, 8 de junho de 2010

Ode orgiástica

(imagem: René Magritte - artista surrealista belga)


Ouço o som dos ditirambos penetrarem nos meus poros e sinto o
arrepio percorrer entre meus pêlos enquanto o suor libido escorre
entre a maça de Eva. No ventre infértil é apenas fecunda minha
substância orgíaca, assim como o corpo, sendo este matéria bacanal.
Movimentos contraídos é a origem da epifania dionisíaca... Dionísio!
este é o grito de liberdade, que entre espasmos lascivos celebro a
cópula. Irei dançar ébria entre suas bacantes, sobre as pétalas de
Eupétale e ao som da harpa de Ione. Toda esta embriaguez é
absorvida pela volúpia primitiva de Eros, donde seus filhos provem
daquilo que Cristo tornou pecado... Apoteose à Madalena! Infeliz Érebo,
nasceu da cisão do andrógino Caos; este nunca fálico algum
sentiu, e apenas sombras dele se fecundaram. O espanto, provindo dos
puritanos, arruinou até a bela Vênus, que adúltera julgada foi
por nos lençóis com outro sussurrar.
Oh! Afrodite Pandemos, a quem Pausânias, amante de Agaton,
refere-se ser vulgar, apenas por aspirar nos homens o desejo do
corpo, jamais à alma.
As mãos e pés entrelaçados, como numa pintura de Picasso, nutrindo-se da nudez do outro, arranhando-lhe a pele e comendo-lhe a carne, até o encontro metafísico...Ápice!
Morre-se no instante, e logo renasce...

Patrícia Carvalho

Antropófagos Saltimbancos

Desejo vão, disperso em beco ocre
Tornou-se desejo acre, ânsia insaciável da nudez.
As ordinárias vísceras, confusas na cópula
Perdem-se nos corpos amantes,
Na poeira cinza do vácuo

Sente o abuso da liberdade do gozo:
Frenesi asmática!
Dance comigo no chão oco e ouça o eco tilintar
Quando caídos,
Como poetas mortos,
Estivermos a nos devorar os corpos,
Como antropófagos saltimbancos.

Vamos à praça pública!

Diremos a todos sobre este lirismo vagabundo.

E quando nossos corpos, bêbados de carícias,
Lembrarem-se da sua amada à espera do seu telefonema apaixonado,
E dos rapazes românticos, ante minha casa, desafinando antigas árias,
Iremos nos entrelaçar, e entre suspiros e o último cafuné...
Nada dizer.

Patrícia Carvalho

Fragmentos da consciência

... No metrô notei considerável vácuo abraçando a todos. O nada era deveras expressivo, e quase me abraçou igualmente. - Confesso ser contraditória a manifestação do nada. Este não há origem. Pensá-lo o expõe, não o sendo mais. - Mas havia algo além...: considerável sofisma, absorvido pelas aparências uníssonas. Senti-me insaciável por penetrar nos princípios alheios; e também no meu.
O fato de eu observar tal decadência não me torna diferente; apenas perspicaz, pois há ainda o ato.
O vácuo não é perder-se a si próprio; mas é perder algo. Assim sendo, o nosso desencontro, que é nossa pura existência, nos assusta, pois sentimos necessidade de ser algo. Sou o que sinto, quando desencontro-me e apenas sou eu... Sou o que sinto, não o que vejo. Mas há o revés! Construímo-nos através das imagens, e assim somos: estátuas de cerâmica, arte moldável... e quebrável.
Mas quando sou, apenas, eu não morro. Pois nada que existe, completo, morre.


Patrícia Carvalho
(imagem: Zdzislaw Beksinski - pintor polonês)