quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Meu Menino




Conceda-me o lugar ao seu lado
Sob o luar, cantando cantigas da infância,
Dançando em seu abraço, até desmaiar

Conceda-me meras palavras, que
Através de você tornam-se prosa e poesia,
E que me encantam tanto quanto literatura prosaica

Conceda-me tardes de domingo,
Para que eu possa descansar ao admirá-lo,
Para que caminhemos juntos, de mãos dadas.

Conceda-me uma canção,
Alguma música diáfana que me arrepie,
Enquanto sua voz transpira-te pelos poros

Conceda-me o seu corpo
Para eu inundá-lo de carícias e cafuné;
Façamos a apoteose dos sentidos

Conceda-me o seu sorriso,
O riso que se torna meu abrigo,
Quando tudo parece não haver razão de ser

Mas, sobre todas as coisas,

Conceda-me o menino que você é,
Para que eu guarde comigo
A inocência dos olhos teus


(imagem Charlie Chaplin)

Cântico de Libertação

   

                                                              “O que foi feito amigo de tudo que a gente sonhou
                                                               O que foi feito da vida
                                                               O que foi feito do amor...” Milton Nascimento

    
     Estou a procura, cada vez mais incessante, daquela primitiva metafísica humana. Estou inserida fisicamente no caótico cenário contemporâneo, onde as relações - tanto entre os seres humanos, ou destes com a natureza, o cosmos, etc, quanto consigo mesmo - está em decadência. Será esta decadência conseqüência de uma deficiência do pensar? Talvez esta seja a patologia do século XXI. O pensar é uma característica que nos distingue dos outros animais, mas com o decorrer das décadas nossa virtude se tornou nossa miséria; pois o pensar é, antes de qualquer análise crítica ao mundo exterior, uma auto-reflexão de si próprio como ser humano; como indivíduo incluso num Todo.
     Será, talvez, a deficiência do sentir? Eu sinto, tu sentes, nós, deveras, sentimos?
     Torno-me, às vezes, desconhecida, enquanto ainda mantenho algumas películas sobre mim, que dizem ser minha personalidade. No entanto, quando estou em silêncio, apenas com minha respiração, que se torna síncope, eu sinto medo... medo de não saber quem sou. A minha aparência é apenas uma imagem falsa refletida, pois... não sou esta fotografia; a aparência é apenas uma invenção espontânea, e que quando nos damos conta, a fotografia está envelhecida...
      Pensar na velhice causa-me inércia, ao invés de inspiração.
      Esta cidade, todas estas construções homéricas, a mecanização do cotidiano, do homem, a ditadura da estética, a dinâmica inconseqüente do tempo-espaço... cadê o tempo? Eu quero o tempo natural das coisas, da natureza, da essência humana. Há tanto concreto que parece que tudo o que era essencial está entre escombros.  Será que apenas alguns vêem a decadência deste homem construído que anda nas ruas?, inconsciente da própria ignorância, da própria morte pré-concebida. Este homem, por não ser consciente da miséria de si próprio, aceita viver neste teatro, indiferente com o que há realmente atrás de todas as máscaras; apenas preocupado com a platéia, com os aplausos.
     E no fim, tudo é silêncio...
     Aos poucos, todos se desprendem da própria responsabilidade humana e a transfere para a política pública, para o Estado. Propagandas, marketing político, persuasivos projetos e um enraizamento no sistema capitalista, que nos distancia de nós mesmos, nos fazendo esquecer da nossa origem naturalmente libertária. A persistência num sistema que nos torna fantoches de uma civilização em ruínas é a persistência da negação de si mesmo enquanto ser pensante e sensível.
     Esta sociedade me desencanta... mas é deste desencanto que surge minha Vontade de cantar o avesso do que me impõem. Quero transformar minha palavra num cântico de libertação.

                                                                                                     “Falo assim sem tristeza
                                                                                                      Falo por acreditar [...]
                                                                                                      E nós iremos crescer” 

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Ode ao Fogo

Através do ímpeto contido dos movimentos
Logo todo o corpo incendeia-se em luz
Enquanto as mãos de Hefesto me conduz
Para o rubro cenário de meus alentos

Os pés, como faíscas, encontram o infinito do espaço
E este canto metafísico excita-me a dançar
Em plena liberdade a habitar,
Com o corpo, cada compasso

Oh! Prometeu, é compreensível seu delito,
Pois impossível seria a renuncia
Do elemento do qual das cinzas ressuscito

Assim como a fênix, do egípcio mito,
Que após a morte renasce e irradia
Com todo seu encanto distinto

Ode à Terra

Como se fosse ritual antropofágico
As expressões tornam-se rústicas
Ouça! Eis o prelúdio da primitiva música,
Que através do âmago soa mágico

Transpiro a alma pelos poros
Através desta ascensão cósmica
Ausente de qualquer razão lógica
Renasço da terra em busca de ouroboros

O negro batuque incita a dança rupestre,
E a argila confundisse com a carne humana
Pois ambas surgem do mesmo ventre

Eis nossa mãe, de beleza africana
Que do seu leito materno
Sublime proteção nos emana

Patricia Carvalho

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Kosmic Blues ¹

Atravessei a rua. Ainda sentia o abraço entre meus braços, mas agora era desconhecido. Caminhava entre as pessoas, mas era como se ninguém ali havia; estava inconsciente dos outros, e de mim própria. Meus pés eram os responsáveis agora, e eu não me importava para onde eles me levariam. Estava totalmente desatenta, porém, paradoxalmente, aquilo que em minha rotina pouco notava, agora se tornava intenso. O vento tornou-se quase palpável, e minha respiração era como se existisse além de mim. Nada eu procurava, apenas vivenciava estes instantes com plenitude. Quando se esquece de si próprio, por apenas alguns instantes, descobre-se uma vida além-corpo, além-consciência. É a vida intrínseca, primitiva.
Quando me dei conta, estava em pé diante uma faixa de pedestres, e o farol encontrava-se vermelho. Alguns motoristas me olhavam com interrogação. Eu havia andado um trecho considerável, e não sabia onde eu estava. Atravessei, e continuei a caminhar, porém agora, consciente. Havia escurecido, e os estabelecimentos noturnos abriam suas portas. Avistei um letreiro de um bar escrito “Kosmic Blues”. Entrei. Lá dentro as luzes eram opacas, e havia um odor de incenso que me confundia a visão. Tocava uma música, quase imperceptível. Sentei a mesa, e logo o garçom perguntou-me o que eu iria beber. Fiquei olhando algum tempo pra ele, o encarando. Eu não tinha a intenção de me embriagar. Minha embriaguez expõe aquilo que eu oculto de mim mesma. Toda a minha desordem é derramada a partir do primeiro gole... “uma dose de whisky, por favor”. Nunca gostei de whisky; não tanto pelo gosto amargo, mas por sentir minha garganta rasgar. Essa imagem me desagradava. Mas, naquele momento, nada me importava, nem mesmo minhas ruins sensações.
Após algumas doses, ainda sentia meus pés presos no chão, como se isso me desse à segurança de mim mesma, pois sabia que quando eu não os mais sentisse... Foi assim, que de repente, meu corpo foi embalado por uma música que vinha do palco. Logo reconheci o refrão, o qual a negra cantava sob o proscénio com fôlego inesgotável:

Oh, my love is like a seed, baby, Just needs time to grow
It’s growing stronger day by day ²

Todo meu corpo se tornou matéria amorfa, algum tipo de brisa, e eu sentia-me pairando, suspensa no ar, assim como os pássaros sobre o oceano. As imagens diante de mim eram apenas abstrações, e eu apenas experimentava aquele estado amórfico. Diferente de quanto eu encontrava-me entre os outros, e sentia-me inconsciente de mim, agora me sentia ali, inteira, tinha consciência, porém era uma consciência lúdica. A voz da negra, de timbre arrebatador, era como a exposição de meus pensamentos, que tanto esforcei pra mantê-lo empoeirado. A cada nota eu sentia minhas máscaras caírem. Eu estava completamente nua, e ela cantava, cantava como se trovejasse em mim:

‘Cause I think too much of your loving, baby

Yeah, I don’t wanna mess your life around! ²


Minhas mãos tocavam o espaço, e eu sentia-me uma partícula perdida no tempo; minúscula, porém plena. Não sentia meus lábios, mas eu sabia que sorria; sentia o sorriso acontecer dentro de mim, e se dispersar no além. Dançava, mas não com o corpo, mas com toda minha abstração ali presente. Tilintava sobre os acordes daquele blues cósmico:

Trust in me, baby, give me time, give me time, please, a littlemore time ²


De repente, como se um véu preto estivesse sobre meu rosto depois do episódio descrito, senti algo cutucar meu ombro. Abri os olhos e vi um senhor em minha frente, provavelmente o dono do bar, e indicava ao redor com a ponta dos dedos: tudo vazio, estava sozinha. Levantei-me, um tanto zonza, e fui caminhando... talvez pra casa, ou não
.


¹ Kosmic Blues - Janis Joplin
²
Trust me - Janis Joplin



Patrícia Carvalho








segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Ego


Eu sou metamórfica, e minhas metamorfoses ocorrem em instantes. Então, como saber quem sou? Apenas sei que cada instante é pleno, e que o riso, se contemporâneo de lágrimas for, ele não deixa de ser verdadeiro. Sou um sentimento ambulante pulsando no mundo.
Às vezes me sinto cansada de estar comigo, e de lidar com este fardo de sentimentos. Ás vezes queria sentir menos intensamente, pois o intenso me desorganiza. Mas é nesta desorganização em que eu vivo. Sou escorregadia, até para mim mesma.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

à Paz (frases)

A paz é o equilíbrio dos avessos. A paz é um canto, um lamento... Quero encontrar a paz no uivo selvagem dos bichos, e na harmonia do sabiá. Quero encontrar a paz na queda d’água, tilintando aguda, e também na lagoa cristalina. Quero encontrar a paz na morte das flores no outono, e no seu renascer na primavera. Quero encontrar a paz no choro da criança ao nascer, e no seu sorriso. Quero encontrar a paz no grito e no silêncio... Eu quero aquela Paz que ninguém encontra, apenas quando come-se a si próprio, e descobre pela dor que o caminho da paz é mais simples do que imaginamos. Está em si, apenas.

A paz é impalpável, invisível, e inodora. A paz é vapor d’água que se camufla entre o sangue sujo do homem.

Estou a procura daquele trecho de terra que chamam de paz. Minhas cicatrizes, às vezes, doem, e quero enterra-las nessa terrinha. Mas ora, distraída senti o vapor d'água evaporar de meus poros, e descobri que a terrinha é meu corpo e aquilo que o movimenta. Este será essência, será alma, será o que? É apenas "o que" desconhecido, mas que É. Isso que me importa.

Meu corpo é desértico, pois tanto tempo passei tentando encontrar esta terra, e agora que a encontrei não sei o que plantar. Plantarei saudades... de mim.

Minha paz é uma miragem no deserto. Estou caminhando, cansada, usando farrapos e comendo migalhas. Eu vejo uma gota d´água! Quando me aproximo, ela seca... seca... tenho sede.

Encontrá-la é mais fácil que compreende-la, pois ao tentar compreender esqueci de senti-la. Para isso é preciso muito pouco: gota d'imaginação e nuvens alvíssimas.

Minha paz é minha imaginação. Hoje irei pintá-la num quadro. Será plácido e entre a brancura da tinta escorrida haverá gotas d'sangue, pois a paz também é canibal. Ela me devora.
(...)


Patrícia Carvalho