sexta-feira, 9 de julho de 2010

Beijo Amorfo

Este gosto amargo, deste corpo que o pecado convém, causa-me disritmia.
É como dançar num chão de ladrinhos, onde cada passo perde-se entre a poeira, e os meus pés, calejados, dançando entre toda abstração, sangram...
Cada gota escorre entre algum beco qualquer, e é no silêncio do beijo amorfo que a sinto passar entre meus dentes, por minha língua... E desconheço, apenas.
Minha respiração síncope durante o abraço, desconfiado, logo cessa.
Alieno-me daqueles braços, alieno-me de mim; mas meu corpo é bailarino, e dança...dança...dança sobre aquele outro corpo desconhecido, que torna-se indiferente, apenas o arco do proscénio da minha representação. Esta, tão eloqüente, que às vezes esqueço se aquilo sou eu, ou minha alegoria.
Os sussurros, descompassados, gritando por entre meus poros, ensurdecem-me. Nada ouço, além do eco do meu corpo, caindo sobre os ladrinhos, ainda dançando, porém agora,
sozinho.

Patrícia Carvalho
(imagem: Zdzislaw Beksinski)