domingo, 15 de agosto de 2010

Metafísica

No pulmão dos subúrbios há sua sombra .
Do canto, observa a rua:
O chão engana os pés dos poetas bêbados.
A bailarina tísica entre a poeira dança tango.
O filósofo discursa sobre Dostoievski, Schopenhauer, Nietzsche ...
No encontro com a rapariga leviana:
- vski
nhauer
tzs...
Delírio apático, sente.
A lira engasga entre os dedos do músico judeu.
A beata está de cócoras, oh Deus!

Você desenha o cenário erradio,
Toda a decadência ambulante dos náufragos.
Escreve na mão sobre a dor do mundo,
E todas as válvulas de escape.

As cinzas do seu corpo está agora nos
Pés do poeta tísico , na
Lira do filósofo bêbado, na
Dança da rapariga beata, nas
Cócoras do judeu.

Toda a metafísica promíscua das coisas.
Outrora corpo, agora sombra.
Apenas.

Patrícia Carvalho

Confissões Clericais (Sonetos Medievos)

Há tempos sangra o corpo de Cristo
Ante a simonia e a ardil indulgência.
Pérfidos clérigos não abstêm da carência
Sacrificando ditas palavras de São Bento

Na insídia cerimônia o padre entoa o canto:
“Nihil est quod Deus effcere non possit”* - Blasfêmia!
Ditas palavras sagradas, vos diz com decadência.
Ainda sentis o gozo infantil, pagão?! - Oh, desalento...

Agonia sinto, a sós, sobre a colina deste martírio.
O jovem clérigo penitência logo sofre;
A inocência lhe fora extirpada, no infiel silêncio.

Tal tormento que não cessa e muito fere
Devassa minha alma neste corrupto refúgio,
Onde minha fé, subornada, morre. - Morre...

* Nada é impossível diante de Deus

Patrícia Carvalho

domingo, 8 de agosto de 2010

É, apenas

Este sentir é inédito. Talvez seja esta expressividade do sentir intrínseco que me soa desconhecido. Se expressa além do palpável, e se realiza na consciência completa do instante. Esta consciência, por sua vez, é inconsciente, pois apenas se vivencia o instante-agora. Caso fosse representar tal sentir numa pintura, seria esta abstrata, com diversos tons; e em música haveria muitos timbres, dissonâncias, movimentos adágios e outros allegro. Através de palavras torna-se hermético, mas... quem disse que é necessária compreensão? Estamos habituados a compreender - ou pensar compreender - todas as coisas, mas este meu sentir é ausente de hábito, pois todos os dias me é recente, e vêm com a intensidade de coisas recém nascentes. – Pergunta-me, então: “sentir o quê?”, e responderei: ”sentir o tudo presente”. Passado e futuro são abstrações, onde há a tendência de nos projetar; mas a existência apenas se define quando o instante é pleno; e é nesta plenitude que estou vivenciando cada palavra que aqui escrevo. Eu quero o "é" do momento, apenas.

domingo, 1 de agosto de 2010

Prólogo à dissonância

Eu penso se o inexpressível destrói minha inspiração, pois estou pulsando versos e prosa, mas todos são abortados em dissonância. São cadências contrárias que escrevem minha rua de idéias e experiências. Na direção contrária está o contrário do que sou, ou do que penso que sou. Vem oposto, e aquela voz transeunte abafa meu sussurro, mas não o subestima; o completa. Por muito tempo estive num vácuo desconhecido, procurando algo que pudesse responder as indagações sobre mim mesma. Pensava estar perdida, pois imaginava que o meu encontro metafísico seria o reflexo no espelho, ou em alguma gota d’agua. Mas não! O meu encontro era justamente com o meu avesso; eu, tola, pensei que este havia gosto amargo, mas descobri que trata-se daquele lado desconhecido que tenho, que todos temos, porém, tememos de encontrá-lo. Tentei compreender essa minha metamorfose que ocorre em instantes, e que transforma faces e faces do que sou; mas não é nítido de compreensão, mas sim, apenas de sensações. Cada vez mais, nada compreendo, e tudo sinto. - Eu sou o desencontro do contrário de mim mesma.